Sunday, February 11, 2007

Epsódio 3: Paquera de batina no Arizona (Lição Eterna)

Algum título pode sugerir algo mais profano que isto? Mas calma, não tem nada pesado não, nada comparável aos atuais escandalos envolvendo clérigos, jovens,e etc.. Nada disto jamais sequer passou pela nossa mente juvenil, nem imaginavamos que coisas assim aconteciam.Estou pegando este atalho para relatar um pouquinho do ambiente religioso que eu percebia na Tabatinga dos anos 60.Não tinhamos em familia nenhum habito religioso. Nem imagens de santos, velas, nem fervor religioso de espécie nenhum nem por nada em especial. Apenas breves participações em eventos sociais, de aparente religiosidade, como batizados, casórios, festas, quermeses e coisas do gênero. Minha mãe se dedicava, que eu me lembre, sómente no dia de enfeitar a rua com pó de serra, pó de café usado, tampinhas de garrafas e outras quinquilarias, para criar um tapete por alguns quarteirões onde passaria a procissão. Todos curtiam esta ocasião. Ficavamos longas horas debruçados, literalmente acocorados, tentando dar um aspecto sacro, mas acho que a arte era escassa, pois o resultado final era logo pisado pelo Padre......Frequentar missas e serviços religiosos com regularidade nunca foi o nosso forte.Portanto, não é de espantar que alguns pequenos casos, dos quais me lembro tão bem, tenham ficado tão marcados em mim, ajudando a criar uma espiritualidade latente.Com certeza, serviram para me ajudar a cultivar intimamente uma perspectiva religiosa. Quando um dia na vida, encontrado pelos missionários, me vi com naturalidade no novo ambiente religioso. Foi mais simples passar para a prática, pois tinha comigo uma certa tendencia à religiosidade desde a infancia.Por influência do meu amigo Chiquinho, (Francisco Carlos da Silva) aceitei tentar ser coroinha. Achava legal ver como ele e os demais tocavam as sinetas no momento certo. Havia uma certa magia nos rituais da missa. E afinal, se fosse relamente algo interessante, eu achava que seria melhor participar do que apenas assistir.Haveria realmente algo de secreto na Sacristia? E a tal vela acima do altar na nave da Igreja que não poderia se apagar nunca?. Que mistérios haveria no tal Vinho do Padre?Com a mente curiosa dos meus 10 anos, lá fui me enfiando no ambiente da Igreja, ciceroneado pelo Chiquinho, sob o olhar atravessado do Padre Gerson, figura meio sem queixo visto da nossa pequena estatura!!!Mas não passei de umas poucas semanas, se tanto, como coroinha. E, a batina vermelha perdeu um adepto rápidamente! Foi uma passagem relâmpago pela Sacristia da paróquia N. Senhora do Bom Conselho. Nem sequer cheguei a entrar na Casa Paroquial, uma das raras residencias de bom padrão da cidade! E a Igreja voltou a ser apenas a figura imponente no meio do Jardim da Praça da Matriz, esta sim, meu segundo lar. Como me lembro das infindáveis brincadeiras nesta praça!! Afinal eu morava na calçada oposta.Mas acho que a gota d´agua que encerrou minha breve carreira religiosa em Tabatinga, após ter ajudado uma única missa na Matriz (melhor dizendo: quase atrapalhado mais que ajudado, afinal errei a entrada, errei a sineta, etc..) ocorreu quando fui com a comitiva do Padre para o Bairro do Arizona, e, lá cometi o pecado capital para um (pretenso) clérigo católico: paquerei de batina e tudo!!!!!Acho que fica a uns vinte e poucos km de Tabatinga o pequeno povoado, local bucólico, ambiente adorável!Ainda fico extasiado ao me lembrar do local, do delicioso ambiente rural, a pequena Igrejinha, o arvoredo frondoso, a sombra convidativa. E, durante a missa, da frente, em pé ao redor do altar, a vista não poderia ser mais sensacional, era realmente um privilegiado, principalmente considerando-se que a maioria só olha para o altar e a celebração!! Eu me distraia com cada pequeno movimento do lado de fora da Igrejinha, curta que era. Mas também deixava outras coisas da platéia chamarem minha atenção mais que o ritual da celebração em si! Pois lá estavam, um grupo de menininhas da minha idade sentadas logo no primeiro banco! E foi assim, em plena missa, respondendo a uma delas, (bonitinha claro, ainda que a sua imagem na memória não passe de um borrão) que me dei conta de que não iria dar certo ser coroinha, afinal não conseguia me concentrar na cerimonia em si!!Para ser mais completo este relato, agora preciso falar agora um pouco sobre o meu bom amigo Chiquinho, era filho mais novo do Seu Manézinho Soldado, vizinho da delegacia. Alguns anos antes haviamos sido vizinhos deles. Mas foi no banco escolar que nos tornamos amigos. Ainda me lembro dele me mostrando o dicionário em sala de aula, procurando palavras suspeitas!! Isto nem bate com o que ele se tornou na vida. Ele fazia o típico coroinha do interior. Na escola estudava para o gasto, pois queria mesmo era entrar no seminário e ser padre. E conseguiu.Passei anos sem ve-lo. Só fui encontrá-lo uma única vêz no final de 1976, quando de posse de meu chamado missionário, fui até Tabatinga para me despedir de minha avó e tios antes de entrar no campo missionário. Ele já era seminarista na ocasião, encontrei-o na secretaria do Salão de Festas da Paróquia. Falamos um pouco de nossas vidas, àquela altura já tão diametralmente opostas. Ele citou um trecho da Biblia falando que se preparava para o Sacerdócio, disse qualquer coisa sobre Melquisedeque, eu disse o que ia fazer, e assim nos despedimos. Durante minha missão nos escrevemos uma ou outra carta.E, a partir desta data até hoje, nunca mais nos vimos pessoalmente.Eventualmente me chegavam notícias dele. Soube que era o Pároco de Borborema. Um amigo me contou que, numa das suas primeiras celebrações como novo Padre, aparentemente ele cometeu uma bela gafe. Ao rezar a missa em praça publica, em determinado momento da celebração pediu aos presentes que se sentassem!! Nem notou ou lembrou que havia chovido recentemente. Parece que alguns mais obedientes se sentaram na grama mesmo. E a congregação estava repleta, a nata da sociedade borboremense presente!! Deve ter sido muito engraçado!! Eu fiz uma coisa parecida em 1994, quando celebrava o casamento da Andréia com o Adriano, no Clube Nautico, com as pessoas sentadas às mesas espalhadas no salão, e pedi que todos ficassem em pé durante a cerimonina!! Não posso rir muito dele neste caso.Vi pelo noticiário na TV que atualmente ele é Cônego, nem sei o que quer dizer este título dignatário, e que assumiu interinamente a administração da Diocese de nossa região. Ocupa o posto do Bispo que foi transferido para a arqui-diocese (outra palavra dificil) de Ribeirão Prêto. Tomara que ele seja consagrado Bispo, pois pelo que me lembro é uma pessoa bem desapegada da vida material. Seria um bom vê-lo ter sucesso na carreira religiosa, que era exatamente o que ele queria da vida.O ambiente (pouco) religioso de minha infancia me enviou esparsas mensagens, mas parece que guardei quase todas!!!
Nesta mesma época, eu tinha um outro amigo da escola, da mesma classe desde o primeiro ano, chamado Delano, de familia protestante. O sobrenome acho que era McFaden, sua mãe era conhecida como Maria Americana na cidade. Oque eu mais gostava era de que eles não eram muito de falar de suas crenças. Nem ele tinha o comportamento tipico dos “crentes” que eu via pela cidade, com regras sobre roupas, cabelos, músicas, etc.. O Delano era uma pessoa normal quando olhado do meu ponto de vista infanto juvenil. Pensava como eu na maioria das coisas, não tinha as manias esquisitas e diferentes dos crentes locais. Um certo dia ele me convidou para ir com ele a uma celebração religiosa numa fazenda nas proximidades de Nova Europa, talvez uns 10 ou 15 km de Tabatinga. E lá fui eu numa nova aventura lúdica-religiosa. Não tinha a menor idéia do significado de nada daquilo, mas tudo bem, quando fui, tempos antes, de coroinha ao Arizona também não tinha!! Mas o inesquecível é que fui na carroceira de um caminhão com o pessoal da Igreja deles (nem sei qual até hoje), curtindo o vento da noite quente, alguém com violão dando o tom musical. Novamente o ambiente rural me encantou. Acho que por isto, até hoje, associo sempre a paz de espírito com um ambiente rural tranquilo, onde o fervor religioso seja praticado na dosagem certa.
Escondi esta aventura da minha avó, na época morava com ela. Achei que ela não aprovaria. Sei lá!!!

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