Mas quero destacar um artigo do EL PAÍS (Espanha) do Correspondente no Rio, José Sámano, com a visão crítica de um estrangeiro. Fantástico como ele enxerga a realidade do nosso futebol, a decadência de um patrimônio nacional. Ele identifica como um dos principais problemas, a europeização do futebol brasileiro, a substituição da alegria de jogar pela busca do resultado a qualquer custo! E assim, ele confirma a minha insatisfação com as duas últimas conquistas brasileiras em Copas, 1994 e 2002, quando ganhamos sem espetáculo. Me faz lembrar uma citação perfeita de outro fantástico pensador futebolístico, Mestre Eduardo Galeano, o meu uruguaio favorito: Antigamente os técnicos chamavam os jogadores para treinar dizendo: Vamos Jogar! E os de hoje fazem isso dizendo: Vamos Trabalhar! Não sei se posso, mas segue abaixo um "copia/colar" do artigo O DESMATAMENTO DO BRASIL, em português, do jeito apareceu na net, quase com sotaque ibérico! Boas reflexões a quem por acaso teve a paciência de me acompanhar, mas pra ser sincero, guardo aqui mesmo é pra meu prazer de reler sempre que quiser!!
O desmatamento do Brasil
A Canarinho deu
início a um processo autodestrutivo depois de falhar em 82 com uma seleção
fascinante
O estupor dos brasileiros
após a incrível derrota diante da Alemanha
pode se agravar se Scolari ou algum de seus
superiores não corrigirem a situação imediatamente. As palavras póstumas do
técnico foram ainda
mais alarmantes que o 7 x 1, porque o futebol oferece a redenção por mais que
agora a penitência possa repercutir. Ela será ainda mais dura se o problema não
for diagnosticado logo, se ninguém se concentrar de forma adequada no erro
fatal. Não parece que seja Scolari, que após a maior surra de todos os séculos,
disse: “Este grupo está fazendo o caminho para o Mundial de 2018 na Rússia. De
nossos 23 jogadores, 14 ou 15 estarão na Rússia. Foi uma derrota feia,
horrível, a pior possível, mas ainda estamos caminhando na direção do futuro.
Não tenho dúvida alguma nem me falta crédito”.
Por suas palavras pode-se deduzir
que o futuro passa por aprofundar a scolarização e nessa teimosia por renegar os
majestosos arquivos do futebol local. É alarmante que, após um acontecimento
mundial de proporções desconhecidas, o instigador da mudança de padrões
vislumbre que o futuro passe por aumentar a dose de mais do mesmo. Já excede a
obstinação. O Brasil tem motivos
para o pessimismo crônico se o
caminho escolhido mais para a frente for Scolari e seus dirigentes insistindo
em puxar pelo mesmo fio. Por essa vereda, a Canarinho só terá pela frente
deserto e espinhos. O Brasil, seu futebol, está com um grave problema
estrutural e em seu fascinante viveiro de sempre agora há bolor. Se existe um
tesouro, deve ser um segredo de Scolari e seus coroinhas, porque a seleção se
banalizou de tanto rastrear jogadores com sete caninos. Como se Beethoven
tivesse passado ao estilo heavy metal.
No Brasil, nem em seus piores
ciclos, houve um só Neymar. O de agora parece um talento à parte, como se fosse
fruto de um pênalti casual. A deslealdade com o passado, com uma escola mítica,
resultou numa fraude, numa ofensa à antologia de Leônidas, Pelé, Garrincha,
Tostão, Zico, Ronaldo e tantos e tantos ídolos do melhor futebol jamais visto.
Ganharam como ninguém, deliciaram o público e nunca perderam como agora. Os de
hoje perderam como nunca e nos mataram de tédio. Um Brasil postiço, sem
retrovisores, nada nativo.
O desmatamento começou a partir
de 1982, quando o Brasil tropeçou com a Itália no estádio Sarrià e deixou o
Mundial espanhol antes da hora, sim, mas nos ombros de torcedores de todo o
planeta. Ali, a seleção Canarinho pôs em prática um diabólico plano para fazer
frente a uma ameaça que existia apenas em sua imaginação. Aquele Brasil de
Zico, Cerezo, Júnior, Falcão e Sócrates só tinha perdido um jogo, mas não o
fervor popular, um troféu que transcende os placares porque só está ao alcance
dos eleitos. Aquela seleção pegou fogo e, junto com a Hungria de 54 e a Holanda
de 74, são os três melhores campeões da derrota na História.
Ninguém mereceu censura, tirando
essa maldita bola tão traiçoeira. Longe de se gabar, o Brasil sofreu um doentio
ataque de resultadismo, de prognóstico grave.
Insólito, os hierarcas do futebol
brasileiro optaram por arrancar a parte mais
florida de sua história e apostar em outros meios para justificar o fim. Mas
será que não tinham mais motivos que ninguém para saber com quais meios tinham
conseguido tantos fins sem ter que justificar nada? O principal, o dos
malabaristas de praia, o que não tirava o sorriso da boca nem na final de todas
as finais, o dos que faziam piadas com a bola sem por isso rebaixar nem um
pouco seu físico fibroso, elástico e resistente. Em nenhum canto do planeta
florescia mais, no entanto, chegaram os inquisidores.
O Brasil mandou seu passado para
o lixo e quis se parecer com todos os outros. Não foi imediato, claro, porque a
genética não se salva nem se altera em meia hora, mas começou a dar pistas. Na
Copa do Mundo de 90 foi incorporado um defensor líbero, que então só era um
pecado alemão e daqueles que só podem sobreviver com um amontoado na defesa e
cruzando os dedos. Já foi uma chatice, embora de algum lamaçal dava para tirar
algumas reputações como Alemão, Jorginho, Branco, Careca ou Muller. O problema
é que Dunga já se mostrava como o símbolo do nada.
Quatro anos depois, nos Estados
Unidos 94, ficou patenteado o invento do quadrado mágico, para desmaio de Didi,
Gerson, Rivelino e companhia, que sempre foram mágicos sem geometrias. Aquela
ortopedia consistia em dois centrais robustos e dois meias defensores como
guardiães. Um deles era Dunga, o outro era o
excelente, Mauro Silva, mas com o tempo sua estrela abriu o caminho
para uma coluna de canseiras, uma heresia. Romário e Bebeto conseguiram chegar
a brindar depois de uma final chatíssima. O Brasil caminhava na direção
contrária à sua história, mas ainda tinha alguns recursos, como Ronaldo para
chegar à final da França 98, ou a do próprio Fenômeno junto a Rivaldo e
Ronaldinho, que colocaram Scolari no trono em 2002.
A imparável queda para a
mediocridade engoliu Ronaldinho e Kaká em 2006. A deriva fez com que, na África
do Sul, o peso do jogo recaísse sobre Kleberson, Felipe Melo e Gilberto Silva.
Havia poucos apoios, mas o técnico Menezes, com o volante nas mãos, não
conseguiu com o ouro em Londres 2012 e Scolari voltou a tempo de se proclamar o
bravo vingador do Maracanazo, como um Felipão curtido pela Europa. A Copa das
Confederações de 2013 foi uma miragem, por mais que a Brasil deixasse de
joelhos uma Espanha com poucas pernas e a cabeça em outro lugar. A Copa do
Mundo é outra história e as exigências são maiores.
No final da surra recebida
da Alemanha, Scolari afirmou também que a própria seleção alemã fracassou em
sua Copa de 2006 e na Eurocopa de 2008, mas manteve o grupo de jogadores. Tenta
enganar, porque aquela Alemanha mergulhou no melhor de seu passado, no modelo
de Overath e não se deixou tentar pela ideia de hercúleos atletas convertidos
em jogadores com os pés deslocados. O resultado é esta brilhante geração criada
e esperada, até voltar a uma final 24 anos depois. A Espanha, por seu lado,
partiu de 2008 com o modelo definido e, apesar do baque nesta Copa, bendita
traição a seu furioso e irrelevante passado. No Brasil, o
passado era único, mas os Scolaris concorrem para
governar o futuro. Isso é ainda mais inquietante que o 1-7. Um resultado
traumático que deveria servir para impugnar para sempre o que o Brasil não é
mais. A canarinha deve isso ao Brasil e ao futebol mundial, ao que seus
antepassados fizeram tão bem. O de agora matava por ser uma úlcera e, desde a
terça, por pena. O melhor consolo: visitar o Museu do Futebol brasileiro,
a melhor futbolteca do mundo. Será que Scolari visitou?
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