Wednesday, January 03, 2007

TIO CARLITO

O Enterro do Tio Carlito
09 de janeiro de 2006, completo hoje 49 anos e estou voltando de Dourado onde fui com o meu irmão Carlos para o enterro do Tio Carlito (Pascoal Roque Donato). Ele faleceu ontem, dia 08 de janeiro, num leito do Hospital de Dourado. Nós o visitamos um dia antes do falecimento, assim que soubemos que ele estava internado. Nesta visita, dia 07 de janeiro, tive uma impressão de morte ao vê-lo tão sofrido e acabado naquele hospital. Ele estava hospitalizado havia uns 17 dias, apenas 3 dias após nossa providencial (para nós, principalmente) visita de fim de ano. O Mário, o Antonio e eu fomos porque ouvimos dizer que ele não estava muito bem de saúde, que tinha se submetido a exames médicos em S. Carlos. Embora não ignorássemos seus 72 anos, completos em 03 de abril de 2005, jamais pensamos nele como alguém doente. Possivelmente por causa da sua forma alegre e feliz de viver.
Foi um banho de emoção todos estes últimos contatos com o Tio Carlito. Ele conservava a mesma pureza de um menino. Infelizmente não conseguiu nos dizer nada na visita no hospital no sábado. Demonstrou que nos reconhecia, (foi o Carlão comigo além do Toninho, o Mário desta vez não foi, está em viagem de férias) mas não conseguiu dizer nada. Apenas expressões de dor. Mas a visita de meados de dezembro foi memorável. Ele estava dormindo em seu quartinho no Asilo, com porta e janela abertas, batemos, e ele mal abriu os olhos claros, e disse com aquela sua pronuncia meio que gaguejando: "Os filhos do Zuza!!". Foi uma alegria o re-encontro. Não o víamos ha anos. Nos atualizamos sobre sua situação, embora na aparência nada indicava que houvesse algo de grave. Saímos pela cidade para tentar comprar uvas, que era o que ele disse sentir falta.
Na semana seguinte, com a consciência amortecida pela visita da tarde de sábado, fui para Curitiba onde passamos quase 2 semanas com os familiares de minha esposa. Nem imaginava que ele já estava internado desde a terça-feira daquela mesma semana. Talvez nem ele mesmo suspeitava que ele jamais retornaria para sua rotina, para os amigos do asilo, para a Banda 1º. de Maio, ou Banda do Tanaka, para os parentes, seus primos de Dourado.
Após a visita no hospital sábado, voltei para casa, após vê-lo tão debilitado no hospital com a certeza de que ele teria poucos dias de sobre-vida. Sua experiência com seu tabernáculo terreno estava muito próxima do fim. Seu aspecto não lembrava mais a pessoa feliz, alegre que tivemos o privilégio de conhecer, e, felizmente, de rever poucas semanas antes. Mas não imaginava que seria assim tão rápido como foi. Menos de 1 dia inteiro após nossa visita do sábado, e chega a notícia de seu falecimento. Sem dúvida um alívio para aquele corpo sofrido.
Voltei no domingo á tarde a tempo de acompanhar o início do velório. Pudemos saber um pouco mais dele através dos amigos e parentes ali presentes. Todos se orgulhavam da convivência com o Pascoal, (só para a família ele era o Carlito), ele era um figura meio folclórica da cidadezinha de Dourado. Pelo que pude saber, parece que ele tomava dezenas de cafezinhos por dia, pois era o entregador de jornal da cidade, e sempre entrava nas casas dos clientes/amigos e não saía sem fazer uma boquinha. Alguns dos presentes também relataram com ternura o cartão de Natal que costumava ser entregue pessoalmente nas casas dos agraciados.
Já hoje no enterro soube que, embora não tivesse um plano de assistência funerária próprio (nem do Asilo), ele tinha recursos em conta suficientes para as despesas de seu próprio enterro. Foi bom saber que ele teve como se manter auto-suficiente dentro do possível. Foi o próprio Presidente do Asilo, o abnegado Dr. Gastão quem confirmou. São pessoas boas e honestas pelo que vi, pois eram eles que administravam a pensão do INSS da qual ele vivia.
Não pude conter as lágrimas, quando o enterro fazia o curto percurso do velório ao cemitério municipal, e, quebrando o silêncio mortal, a Banda do Tanaka, meio escondida entre arvores do estacionamento começa a tocar, numa ultima e sincera homenagem ao amigo de todos que se ia.
Foi uma despedida a altura do ser bondoso que ele é.
É interessante pensar que, apesar de viver sozinho, ele nunca foi uma pessoa só. No velório, vi lágrimas de emoção em homens maduros, que lamentavam a perda do companheiro. Ele viveu uma vida leve. Principalmente nos últimos 35 anos, quando voltou a morar em Dourado. Devagar foi se inserindo na vida pacata das pessoas. Quem lhe dedicava um pouquinho de atenção, era recompensado fartamente. Sobravam motivos para que ele fosse tão querido, não representava peso para ninguém, estava invariavelmente de bom humor. Me lembro da alegria genuína quando o levei nos anos 80 para assistir um jogo do seu Palmeiras na Fonte Luminosa.
O sentimento que ficou, a visão que vai perdurar é a da serenidade do Tio Carlito neste dia.

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